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Soja: alimento e filosofia de vida – Ecobras

1 de junho de 2009 Ecobras.

Na Ilha de Guaratiba, próxima à agitação da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, está localizado um pequeno pólo dedicado a produzir e comercializar derivados da soja – a Ecobras. Seus fundadores, Paulo e Paula Savino, percorreram um longo caminho fora do agronegócio em busca de uma melhor qualidade de vida, até se dedicarem à produção e distribuição de alimentos com componentes selecionados.

A LAVOURA – Por que vocês decidiram entrar no agronegócio?

Paulo Savino – Não foi uma escolha estudada. Durante muitos anos fui consultor da presidência do IBGE, na área de informática. Aos poucos, comecei a me sentir insatisfeito em questões pessoais, como casamento e trabalho, e decidi abandonar tudo. Assim, com 17 mil dólares no bolso e o objetivo de mergulhar nessas questões existenciais, busquei gurus e morei em comunidades fora do Brasil. Depois de fazer parte de diferentes processos e experiências, observei que a questão alimentar era fundamental.

Voltei brevemente ao Brasil, e a um passo de ir à Índia, conheci a Paula e nos casamos. Fomos juntos para os Estados Unidos e passamos a morar em um hospital. O diretor, que possuía câncer, seguindo a orientação e alimentação de um japonês chamado Herman Aihara, ficou curado. A partir daí, o hospital foi adaptado para que se continuasse o trabalho, que eram programações personalizadas, baseadas na alimentação e exercícios. Isso mostrava aos pacientes, internados com qualquer tipo de problema, que existia uma outra possibilidade de vida. A programação era de 10 dias, período no qual a quantidade de células trocadas do organismo já mostra diferença na qualidade de vida. O instituto ainda existe em Oroville, norte de San Francisco, e nós trouxemos e vivenciamos esta idéia no Brasil.

A LAVOURA – Já havia a idéia de produção desses derivados da soja?

Paulo Savino – Isso foi uma conseqüência da nossa intenção de fazer um trabalho onde se pudesse notar diferenças significativas em apenas 10 dias.  Instalamo-nos na Região Serrada de Nova Friburgo,  interior do estado do  Rio de Janeiro, e passamos a receber pessoas de todo o Brasil. Para que o prazo de 10 dias fosse respeitado, os componentes da alimentação deveriam ser bem específicos, de qualidade, e acabamos começando a produzi-los, apesar de nosso foco na época não ser a produção.

Infelizmente, houve pouco interesse dos produtores locais, e por meio de  contatos com produtores japoneses chegamos à empresa japonesa Mitoku.  Hoje somos representantes exclusivos da Mitoku no Brasil. Ela é responsável por pesquisar e localizar no Japão produtores tradicionais, por exemplo: ele têm contato com uma família que produz shoyu há 600 anos; a Mitoku deu condições para o produto dela ser competitivo e o inscreveu em concurso específico. O produto foi vencedor e hoje é horsconcours por excelência.

A LAVOURA – A produção familiar, sendo tão tradicional, é credenciada como orgânica?

Paulo Savino – Claro, a certificadora exige que seja assim.

A LAVOURA – Esse programa ainda existe em Nova Friburgo?

Paulo Savino – Não, mas a freqüência na época foi tão alta que tivemos que  aumentar a importação de diversos componentes. Daí começamos a  oferecê-los em lojas na cidade do Rio de Janeiro, e houve boa saída. Por  circunstâncias pessoais – tivemos dois filhos e não havia como delegar as tarefas principais para outras pessoas – o programa foi se esgotando, e passamos a nos dedicar à produção e a continuar oferecendo produtos de qualidade superior.

Nesta mudança, Friburgo se tornou um lugar afastado e viemos para o Rio, onde estamos há cinco anos e distribuímos em lojas especializadas como o Mundo Verde, e supermercados, como o Zona Sul, Pão de Açúcar e, recentemente, chegamos a São Paulo.

A LAVOURA – Como funciona sua cadeia de produção e fornecimento?

PauloSavino – Nossos principais produtos são os derivados da soja. Existem diversos tipos de soja específicos para alimentação, e usamos uma com certificação orgânica da Ecocert, produzida no Paraná. A soja é uma fonte importante de proteína, por exemplo, para quem aboliu o consumo de carnes. Temos dois caminhões refrigerados que trazem as sementes do Paraná, processamos e distribuímos no Rio de Janeiro. Para chegar a São Paulo, temos parcerias com outras empresas que trabalham na área de orgânicos, utilizando a frota deles para a distribuição na cidade.

No caso do tofu, usamos produtos naturais até para a coagulação do leite de soja, que o origina. Outras empresas usam o sal amargo (cloreto de magnésio) obtido da indústria química, mas nós importamos o do Japão, retirado da água do mar, unido ao sulfato de cálcio retirado de minas. Assim podemos produzir maionese, pastas com sabores eoutros, tudo à base de soja, que é nosso foco.

Em pequena escala continuamos distribuindo os produtos importados, mas eles encareceram bastante. Temos compromisso de comprar apenas para não extinguir aqueles produtores tradicionais, por exemplo, de um certo tipo de molho Shoyu, cuja produção é muito cara e cujo preço ao consumidor final seria exorbitante.

A LAVOURA – Como foi a estruturação da Ecobras para atendimento aos supermercados?

Paulo Savino – Trabalhamos de forma diferenciada. Mostramos nossas condições, e daí negociamos com eles o que podemos. Fomos, porexemplo, procurados pela direção do Pão de Açúcar. Qualquer supermercado é um cliente exigente, mas como são extremamente negociantes, fazem tudo por seus clientes. Os supermercados sabem da importância dos orgânicos para o futuro e mesmo já atualmente e procuram levar ao consumidor esta opção.

A LAVOURA – E quando houver concorrência de similar, digamos, com o preço mais baixo que os produtos da Ecobras?

Paula Savino – Participamos de feiras com nossos produtos como, por  exemplo, a ProNatura, onde vamos sendo reconhecidos pelaqualidade, e fomos procurados até pela escola de Nutrição da USP. Mesmo que surja uma companhia gigante produzindo orgânicos, os preços não tenderão a ser drasticamente menores. Há um custo de produção do qual não se pode fugir, e ainda existirá o repasse feito pelo comerciante. A concorrência também tem particularidades. Os produtos da Mitoku são mais arte que produção industrial; são produtos únicos, é claro que existem outros ‘únicos’, mas o consumidor escolhe o que quer. Quando nosso produto acaba nas lojas, somos procurados para repor, já que alguns clientes não levarão a outra marca.

A LAVOURA – Qual a expectativa de expansão da Ecobras?

Paulo Savino – Não temos um perfil para um crescimento exagerado. Acredito que há um tamanho ideal para tudo, temos capacidade instalada para crescer, mas não tomaremos decisões de crescimento apenas pela idéia de expansão, seja unicamente para aumentar a produção ou o faturamento.

A LAVOURA – Como é feita a divulgação dos produtos?

Paula Savino – Temos um site em construção e já fomos matéria de televisão. Apesar de nosso nome não ser sido citado, acho que todos os produtores – e não só a Ecobras –, saem ganhando com esta divulgação. Os custos de uma publicidade em qualquer mídia são muito elevados.

Paulo Savino – Posso até ter uma opinião considerada radical, mas fazer publicidade paga não me atrai. É como se eu estivesse impondo meu produto ao consumidor. No final, as coisas acabam acontecendo: a necessidade do ser humano em viver melhor já existe dentro de nós, eu participo disso e posso atender com meus produtos, que acabam sendo divulgados por quem os utiliza.

A LAVOURA – Quais os desafios enfrentados pela Ecobras?

Paula Savino – Uma de nossas dificuldades é o repasse dos preços. Fazemos um produto de qualidade, com preço que consideramos competitivos, mas algumas lojas colocam percentuais muito altos sobre eles. Acredito que se eles fossem menores, haveria mais saída. As embalagens sempre nos preocupam, pois têm que ser não-tóxicas e feitas de um material adequado a cada produto. A isso se soma o filme impresso sobre a caixa. Depois de uma enorme pesquisa no Rio, e algumas mudanças de fornecedores, atualmente recebemos nossas embalagens de São Paulo. Fora o próprio custo, que incide no preço final, incluindo a certificação e ainda o código de barras. Quanto à parte gráfica e ao fornecimento de matéria-prima, não temos problemas. Mas durante algum tempo houve uma busca intensa e diversas experiências no fornecimento até acharmos o fornecedor de soja orgânica – Gama, também certificado pela Ecocert – que nos entrega um produto com padrão e regularidade, o que poderia não acontecer se trabalhássemos diretamente com os produtores.

Paulo Savino – Existem dificuldades, sim. Por exemplo, acho que o governo está acabando com as pequenas empresas, que lutam e geralmente não têm nem os impostos em dia. Até oportunidades em projetos são perdidas por essa condição.

A LAVOURA – Como vocês coordenam a filosofia de melhor alimentação com o aspecto comercial do negócio?

Paula Savino – Nosso trabalho nunca foi meramente comercial. Vendemos, sim produtos, mas temos todo um sistema de vida por trás. Nossos filhos nasceram em casa e nunca foram ao médico. Mantendo esta mentalidade, os produtos que não chegam ao supermercado, por estarem fora dos padrões comerciais, voltam para cá e são totalmente aproveitados por nós ou mesmo  por nossos funcionários. Não tenho produção para me comprometer a doar,  mas quem receber será mais uma pessoa que atingimos positivamente. Tanto que todas as pessoas que participaram de nossos programas na cidade de  Nova Friburgo ainda permanecem em contato conosco.

Paulo Savino – É claro que temos que existir socialmente, ter conta em banco,  etc. Não existe outro mundo para vivermos. Só que eu escolhi viver sem fazer algo que ache negativo, trabalhando mais por princípios que  objetivos. Mostro que é possível estar no mundo dos negócios com  consciência de que todos somos seres dependentes uns dos outros. O fato de  eu administrar uma empresa e realizar negócios não é o problema, o que  importa é a postura de quem está por trás.

Jacira Collaço – Jornalista da SNA
Revista A Lavoura 650, setembro de 2004

Leia o texto original:
Soja: alimento e filosofia de vida (PDF)

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