Rede comunitária para acesso ao mercado pelos produtores orgânicos

Rede Ecovida e a certificação participativa

25 de junho de 2012

Valores como “autonomia” e “colaboração” não valem só para internet, mas para agricultura. Em vez de dependerem de grandes auditorias, os agricultores da Rede Ecovida de Agroecologia conseguem seus selos de alimento orgânico fiscalizando uns aos outros. É um processo baseado em confiança, sem hierarquias — e potencialmente econômico. Enquanto a certificação por auditoria chega a R$ 3 mil anuais por agricultor, a participativa fica na média de R$ 80. O agrônomo Laércio Meirelles, que ajudou a colocar na Lei dos Orgânicos esse sistema, coordenou um debate sobre o tema no oitavo encontro da rede em Florianópolis, no final de maio. Lá, ele contou a GALILEU sobre o método nascido no Brasil e já exportado para América Latina e Europa.


Meirelles ajudou a incluir na lei de orgânicos o sistema colaborativo de selos, agora tão oficial quanto o de auditoria

* Como surgiu o modelo participativo?

Eu e um grupo de pequenos produtores já fazíamos em Porto Alegre uma feira-livre de agroecologia quando surgiu a primeira legislação de orgânicos na Europa, em 1991. A lei exigia um selo de certificação dado por uma empresa de auditoria. Rapidamente o assunto chegou aqui. Mas nos pareceu estranho ter que pagar alguém para certificar que o nosso produto era aquilo que já sabíamos que ele era. Entendíamos que a própria organização era capaz de atender a essa exigência. Nós mesmos poderíamos nos certificar, um visitando a propriedade do outro, vendo o que estava sendo feito. Então, em 1993, criamos o primeiro selo de certificação participativa, o da hoje extinta cooperativa Colmeia.

* Qual a diferença do convencional?

Na certificação por auditoria, um inspetor de uma empresa terceirizada vai até a propriedade rural checar se as normas estão sendo seguidas. Na participativa, formam-se as chamadas Opacs (Organismo Participativo de Avaliação da Conformidade), uma espécie de certificadora, porém composta pelos próprios agricultores, técnicos e consumidores de um grupo. Hoje, existem 4 Opacs registradas no Ministério da Agricultura. Cada uma tem uma comissão verificadora, que faz visitas técnicas às propriedades, levando um questionário para saber se as normas estão sendo cumpridas. A grande diferença é que são os próprios agricultores que visitam uns aos outros e compartilham ideias e conhecimento, se ajudam. Na auditoria, o inspetor vai à propriedade, verifica o que está sendo feito e dá um ok, ou não. Muitas vezes, ele vê um problema na produção e até sabe a solução, mas não pode falar, pois supostamente é alguém neutro.

* Quais são os princípios?

Poder compartilhado, horizontalidade, transparência e troca de conhecimento. O sistema participativo mobiliza os pequenos produtores a se organizarem. Acreditamos que todos que fazem parte desta rede têm o poder de definir quando um produto é de fato produto, dizer o que está bom e o que precisa melhorar. Cada um pode contribuir de alguma maneira, por isso não colocamos hierarquia. Somos uma rede, e fazemos questão de não ter sede ou telefone. Também partimos do princípio da confiança. Não é que um vai lá ver o que o outro pode estar fazendo de errado, mas vai ajudar a resolver os problemas e legitimar o trabalho de um agricultor, assim como ele vai legitimar o seu. Mas sem compadrio. Esse risco evitamos com regras claras (há um roteiro de perguntas pré-estabelecido para as visitas, por exemplo) e olhares externos. Além dos produtores, temos na rede técnicos e consumidores que participam do processo de certificação, inclusive das visitas às propriedades. É um trabalho colaborativo. A biologia moderna falava em darwinismo social, só os mais fortes sobrevivem. Hoje é: só quem está conectado sobrevive.

* Para onde o modelo já é exportado?

O Brasil foi o primeiro país a colocar em sua legislação a certificação participativa. Inspirados em nossa experiência, depois vieram Uruguai, Bolívia, Costa Rica (onde a lei ainda está para ser regulamentada). Outros países da América Latina que estão em andamento com a legislação de orgânicos pretendem incorporar o modelo participativo, como El Salvador, Equador e Chile. Existe também um grupo de trabalho na Europa discutindo a inclusão desse sistema na legislação de lá. Tudo a partir do exemplo tupiniquim.

* O modelo participativo tem tornado a certificação mais acessível?

Sim. Uma das grandes questões é incluir agricultores que não entrariam na certificação por auditoria, por causa do preço e da metodologia, mais burocrática. No sistema participativo, também há papéis a serem preenchidos e enviados ao Ministério da Agricultura para cadastro. Mas isso é feito à mão pelos próprios produtores. Às vezes vem coisa errada, torta, em letra cursiva. Nós não passamos a limpo no Excel. Mandamos assim, é o jeito deles de fazer e o país precisa saber que estas pessoas existem. O sistema participativo é mais adequado aos pequenos produtores não só por preço, mas adaptação cultural. Outro dia recebi um telefonema de um líder indígena querendo certificar um produto orgânico. O prazer de poder oferecer a ele esta opção é impagável. Se não, eu teria que dizer “contrate uma certificadora”. Em vez disso, respondo: “façam vocês mesmos” e, assim, eles se incluem no mercado.

Legislação

A Lei dos Orgânicos estabelece 3 maneiras de se garantir que um alimento segue as regras de produção ecológica — como não utilizar agrotóxicos, adubos químicos ou substâncias sintéticas que agridam o meio ambiente. Uma delas é a auditoria externa, em que um terceiro vai até a propriedade rural e verifica se as regras estão sendo seguidas. Há também a certificação participativa, em que dentro dos próprios grupos e cooperativas de pequenos agricultores se criam comissões de verificação destas regras; e o chamado Controle Social, em que os agricultores visitam uns aos outros de maneira mais informal para checar o trabalho. Nas duas primeiras modalidades, pode-se usar o selo de orgânicos criado pelo Ministério da Agricultura. No terceiro caso, não há selo, e só é permitida venda de alimentos para o governo ou diretamente ao consumidor, em feiras-livres.

Fonte: Revista Galileu


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