Entrevista: No Cafundó da Celina não tem tempo ruim
No Cafundó da Celina não tem tempo ruim
- Celina Vargas do Amaral Peixoto – Produtora de verduras, legumes, temperos e flores comestíveis na Fazenda Cafundó na Serra de Pertrópolis – RJ
Foram dois anos seguidos de chuvarada na Serra de Petrópolis. Implacável. “Os rios não são mais os mesmos, as estradas se dissolveram, casas foram levadas pelas enxurradas, muitas pessoas morreram…”, lamenta Celina Vargas do Amaral Peixoto, socióloga doutorada pela Sorbonne, neta de Getúlio Vargas, ex-primeira-dama do Rio de Janeiro, que há 20 anos está à frente da Fazenda Cafundó, no Brejal. É dali que saem os mais refinados legumes, verduras, temperinhos e flores comestíveis da cidade. Apesar dos pesares, Celina não se abate: “O Troisgros agora quer broto de coentro. Estou tentando…”
O Globo: Como nasceu a história do plantiono Cafundó?
Celina Vargas: Comecei plantando chás porque acreditava numa medicina voltada para a natureza. Mas vi que era impossível sustentar uma fazenda só com a venda de chás. Numa segunda fase, tive a ajuda de um casal amigo (Jean e Alzira Leblond) que ia e vinha da França com novidades como minilegumes, ervas finas, flores comestíveis. Fui experimentando. E como já disse nosso escrivão Pero Vaz de Caminha: “… no Brasil, em se plantando tudo dá…”. No Brejal, também: plantei folhosas e chegamos às minifolhas, passei para os legumes e evoluímos para minilegumes e flores comestíveis.
OG: São quantas espécies cultivadas?
CV: Mais de 80 por ano. Algumas conseguimos manter o ano inteiro, já outras são próprias de cada estação. Mas o que eu mais gosto deste projeto é o contato direto com os chefs de cozinha para conversar e aprender. O Christophe Lidy foi um mestre. Trouxe sementes da França que foram plantadas. O Marcos Sodré, do Sawasdee, também chegou com sementes da Tailândia, que plantei e deram certo. O Claude Troisgros me pediu broto de coentro, estou tentando. A Renata Saboya pede lavanda para fazer sorvete no Mil Frutas. Levei mais de um ano para conseguir o que ela queria. Alguns levam tempo e exigem um aprendizado. E vamos acumulando conhecimento sobre cada um deles.
OG: Tem algum temperinho que agrade especialmente?
CV: Adoro comer e tenho um prazer especial em sentir o sabor de cada produto. Mas as alfaces da fazenda têm um gosto especial. O celeri (uma espécie de aipo) é um luxo que só dá quando quer. Este ano ele decidiu não nascer. Pena.
OG: Como é a engrenagem do Cafundó?
CV: Nossa equipe é do próprio Brejal e da região dos “Albertos”, berço da agricultura orgânica na Serra. São 12 famílias que trabalham e vivem disto, o que só aumenta a minha responsabilidade em relação a eles, que recebem por salário, mas também pelo resultado obtido pela empresa. Penso que estamos fazendo o bem para Rio, quando distribuímos produtos que trazem saúde e, por outro lado, mantendo pessoas trabalhando na zona rural com dignidade, qualidade de vida e de acordo com um projeto de agricultura sustentável.
OG: Seus produtos estão pelo Brasil?
CV: Trabalhamos com o conceito de desenvolvimento local. O produto para manter os seus nutrientes não deve viajar muito. Quanto mais próximo, melhor. A exportação, que é uma tentação, foge ao nosso conceito.
OG: É difícil fazer o que você faz no Brasil?
CV: Nunca tive ajuda ou assistência técnica de uma só autoridade pública. Trabalho com
os filhos, que são sócios, amigos, consultores e a minha capacidade de fazer pesquisa. Posso passar dias pesquisando um produto, uma semente, uma muda, uma forma de plantar, a época certa de sua produção para depois ter um produto e um texto correto para divulgar para meus clientes.
OG: O Cafundó sofreu com as últimas enxurradas?
CV: Indiretamente, sim. Os rios não são mais os mesmos. As estradas se dissolveram. As casas se foram na enxurrada e muitas pessoas morreram. Num país mais sério esta lição teria sido entendida e uma região como a Serrana teria sido recuperada.
Confira a entrevista na integra
Fonte.: Jornal O Globo (Impresso/Digital)
Publicação do dia 04 de fevereiro de 2012 – Caderno Elas/Gourmet