Leite orgânico: produto na moda, ideia boa… e lucro zero
publicado no jornal: New York Times
Localizada sobre a costa rochosa do estado norteamericano de Maine, a fazenda de Aaron Bell e Carly DelSignore é impressionante, tanto pela beleza da vista que se tem da Baía de Cobscook como pela distância que o leite ali produzido precisa atravessar para chegar às prateleiras. A propriedade fica a seis horas da maioria dos consumidores em potencial – tão longe que a companhia que costumava processar o leite comprado ali, a HP Hood, desistiu da operação em 2009, ao concluir que não seria possível obter lucro tendo de transportar o produto por tantos quilômetros.
Mas Bell vem de uma família que já está na oitava geração de produtores rurais da região e, junto com a esposa, está determinado em tornar viáveis os laticínios que saem daqui. O casal faz parte de uma pequena cooperativa, a Maine’s Own Organic Milk – abreviada de forma simpática como MOO Milk –, que espera fazer com que os clientes dos estados mais próximos optem pela caixinha do lentamente pasteurizado e orgânico MOO, um produto local, em vez de similares das grandes marcas norte-americanas, como a Horizon Organic e a Organic Valley.
Até agora, o sucesso tem se esquivado da iniciativa. Desde janeiro de 2010, quando o leite MOO começou a chegar aos mercados, a cooperativa mal consegue se sustentar e depende de uma série de empréstimos, subsídios e doações, além da boa vontade dos vizinhos que compram meio galão a cada poucos dias num gesto de pura solidariedade (um galão tem 3,8 litros). “Sinto que estamos num bote feito de fita adesiva, e ele quase afundou algumas vezes, mas continuamos remando”, diz Bell, 33 anos.
A jornada da MOO Milk parece um daqueles contos que guardam uma moral: forte determinação, uma bela filosofia e um produto da moda não são suficientes para criar um negócio viável. “Existem pessoas que apoiam o que a gente faz, mas elas não são muitas por aqui. Até hoje não consegui achar 6 mil clientes que comprem um galão do nosso leite por semana”, diz David Bright, ex-repórter de jornal e atual tesoureiro da cooperativa.
Mercado
A venda de leite orgânico deve crescer 10% neste ano, de acordo com a Associação de Comércio Orgânico dos Estados Unidos. Mas a concorrência é acirrada – e os menores geralmente sofrem mais com ela. “A margem de lucro do leite é apertadíssima. Por isso, é preciso volume”, explica Nancy Hirshberg, vice-presidente de recursos naturais da Fazenda Stonyfield, grande produtora de laticínios orgânicos.
A MOO Milk se agarrou a um salva-vidas em dezembro, quando 14 supermercados da rede Whole Foods concordaram em vender sua produção. Mas o acordo não é suficiente para garantir a sobrevivência da cooperativa. “Os bancos não têm pressa e não querem saber se é preciso alimentar os animais. Parece que vamos sangrar até a morte na sala de emergência”, afirma Bright.
Bell mantém o otimismo. Ele não pode se dar ao luxo de desistir – a esposa está grávida do quarto filho, que deve nascer em maio, e o casal ainda está pagando um empréstimo de US$ 250 mil, dinheiro que foi usado para financiar o início das operações com leite orgânico. Além disso, há poucas alternativas de trabalho no contado de Washington, cuja taxa de desemprego é de 10,3%. “Temos tudo pronto. Nossa marca é comercial, nosso leite é bom, temos um passado positivo e de honestidade e a distribuição existe. Então vamos conseguir vender todo o nosso leite no Maine, em New Hampshire e em Boston”, enumera o fazendeiro, enquanto dirige seu trator durante uma tarde gelada de janeiro.
Cooperados seguem confiantes
Desde o surgimento da MOO Milk, três fazendeiros já desistiram da cooperativa. Os seis que restaram estão sem receber um tostão há alguns meses e, consequentemente, acumulam dívidas. “Com todo o trabalho que temos, seria bom se conseguíssemos colocar algum dinheiro no bolso”, lamenta Carly DelSignore.
Herb McPhail, 50 anos, trabalhou por muito tempo em empregos mal-remunerados na cidade de Perry, até que a processadora Hood convenceu-o a entrar para o negócio de leites orgânicos. Ele tomou um empréstimo de US$ 30 mil e comprou 25 vacas leiteiras em 2005. O fazendeiro ainda não terminou de quitar os financiamentos e está com as contas atrasadas. Morando sozinho e sem nenhuma ajuda no trabalho diário, ele conta que entrar para a MOO era sua única opção, uma vez que nenhuma outra companhia de laticínios mandaria uma picape buscar o leite em sua propriedade. A produção de sua fazenda não é diversificada como a de Carly DelSignore e Aaron Bell; e McPhail não tem outro tipo de renda extra.
Assim como os demais fazendeiros da cooperativa, McPhail tem enfrentado muitas dificuldades. Ele estima que a MOO Milk lhe deve US$ 12 mil. Como não consegue comprar um carro, o produtor dirige um trator até mesmo quando sai da fazenda. Mesmo assim, McPhail diz que não desiste do negócio porque acredita que ele dará certo em algum momento. “Eu acho que o leite MOO tem boas chances de ser bem-sucedido. Se tivéssemos um pouco de financiamento, conseguiríamos chegar lá. Mas os bancos dizem que nossas garantias não são boas o suficiente e, por isso, não apoiam a iniciativa. Nós temos garantias líquidas, literalmente”, diz.
Investimento
Além do acordo com a rede Whole Foods, a MOO espera ganhar forças por meio de novos investimentos. A cooperativa está em tratativas com uma organização sem fins lucrativos, a Coastal Enterprises (CEI), na expectativa de receber US$ 150 mil. Mas, de acordo com a proposta, os produtores rurais precisam achar outros financiadores antes de ter acesso ao dinheiro, explica Bill Eldrige, diretor da MOO. O presidente da CEI, Ronald Phillips, não oferece detalhes sobre as negociações; apenas diz que enxerga na cooperativa uma forma de apoiar a agricultura regional. “Estamos falando de desenvolvimento para comunidades de baixa renda, em áreas rurais, e não apenas do produto em si”, diz.
Heather McCready, porta-voz da rede de supermercados Whole Foods, se recusa a oferecer os números referentes à venda do leite MOO, dizendo que a decisão sobre a compra cabe aos gerentes de laticínios de cada loja. “A Whole Foods procura dar apoio às pequenas propriedades que passam por dificuldades na região da Nova Inglaterra (nordeste dos EUA). Acreditamos nas metas da cooperativa. Além disso, a MOO Milk produz um leite que atende aos nossos padrões de qualidade”, declarou, via e-mail.
Mesmo que os ânimos do pessoal da MOO pareçam mudar a cada dia, todos os envolvidos na cooperativa dizem que não estariam se sacrificando tanto caso não acreditassem que o negócio vai prosperar à medida que mais pessoas se interessam em dar suporte à agricultura familiar e sustentável. “Acho que, se aguentarmos as pontas, temos uma grande chance de dar certo”, resume McPhail.
Tradução: João Paulo Pimentel
fonte: Agrolink