Muito selo, mas pouca informação
Consumidores não conseguem identificar produtos orgânicos.
Por Martha Neiva Moreira, O Globo 02/03/2010
martha.moreira@oglobo.com.br
Um dado divulgado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) assusta e faz pensar: 81% das frutas e legumes consumidos em 2008 no país estavam contaminados por agrotóxicos. A saída para o consumidor preocupado com a saúde tem sido comprar orgânicos, cujo mercado vem crescendo a uma taxa de 25% ao ano, de acordo com Ming Liu, coordenador do Projeto Organics Brasil. No entanto, nem sempre as pessoas conseguem saber exatamente o que estão levando para casa na hora de comprar os produtos no supermercado.
Ainda há muita confusão no entendimento do que é ou não um alimento orgânico.
– Há uma oferta enorme de produtos naturais, mas confesso que vivo na dúvida. Compro, por exemplo, aquela alface hidropônica e comida com menos calorias, sem gordura trans, mas tem tanta coisa escrita nos rótulos dos produtos e tantos rótulos diferentes que confunde a gente – conta Mônica Braga, uma dona de casa que todos os meses faz sua compra em um mercado da Zona Sul.
Como ela, várias pessoas ficam sem saber o que é mais saudável. Hidropônicos, por exemplo, são cheios de química. Baixa caloria e sem gordura trans não quer dizer mais natural e, muito menos, orgânico. A lei federal 10.831, de 2003, diz que alimento orgânico é todo aquele que, em sua produção, não usou produtos químicos proibidos, como pesticidas; que não causou dano ao meio ambiente, como contaminar lençol freático; que respeitou as leis trabalhistas e a comunidade, entre outros aspectos. Essas informações deveriam ser acessíveis aos consumidores, mas não são.
– A confusão na ponta acontece porque quem vai comprar tem apenas a percepção dos benefícios para a saúde, mas o orgânico vai além disso.
Seus benefícios são ambientais e sociais – diz Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, ONG que atua na área consumo consciente.
Há muitos selos certificadores de produtos orgânicos, que não informam e também ajudam, pela quantidade, a confundir o consumidor. Em todo o país atuam pelo menos 30 empresas certificadoras que até o ano passado não tinham critérios comuns de classificação.
– Há certificadoras que são menos rigorosas do que outras. Até porque há produtos totalmente orgânicos e outros que só têm um ingrediente orgânico em sua composição, por exemplo. Além disso, há certificadoras internacionais atuando aqui que seguem regras de certificação de seus países – explica Ming Liu. Na prática, esses selos trazem informações diferentes como 100% orgânico, 70% orgânico, dois ingredientes orgânicos, comércio justo etc.
Para organizar a bagunça, a partir do ano que vem, todos os produtos orgânicos vendidos no país terão um único selo, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Até dezembro, as certificadoras que quiserem emiti-lo terão que fazer a acreditação no Inmetro, entidade escolhida pelo Ministério para normatizar o setor. Além da profusão de selos, os consumidores enfrentam a falta de informações nos pontos de venda.
– Geralmente esses produtos são vendidos apenas de forma diferenciada.
São organizados em gôndolas separadas, mas raramente há placas informando o que são e seus benefícios.
E isso não acontece apenas no Brasil, mas em todo o mundo – observa Hélio Mattar.
Só que a lei federal 10.831 obriga que as redes de varejo dêem informações sobre o produtos.
– É obrigatório, mas o que os supermercados fazem às vezes, por falta de informação, é identificar como orgânicos produtos de outra natureza, como hidropônicos, por exemplo.
O que confunde mais ainda quem vai comprar – diz Fabiana Goes de Almeida Nobre, responsável pela área de agricultura orgânica da Superintendência Federal de Agricultura do Rio de Janeiro, órgão ligado ao Ministério da Agricultura.
Sites com informações sobre o assunto não faltam na internet. Mas essa prática ainda não é tão disseminada assim, segundo pesquisa do Akatu, que revela que apenas 30% dos brasileiros buscam se informar sobre empresas e produtos. Hélio Mattar conta que há, no site do Instituto, uma área que traz a escala Akatu das 200 empresas com as melhores práticas de responsabilidade social. Há pouquíssimos acessos.
– Mais uma razão para que as redes de varejo se obriguem a fazer quase que uma educação do consumidor com informações objetivas sobre os produtos e seus benefícios nos pontos de venda – observa Mattar.
Para quem produz orgânicos, isso ainda é difícil, pois o foco maior é em lucrar, não em informar.
– É difícil lidar com eles, pois se preocupam muito com a questão da rentabilidade mdash; diz Dick Thompson, produtor de orgânicos e dono do Sítio do Moinho, no Rio de Janeiro, que chegou a entregar 24 mil unidades de alfaces orgânicos para uma rede de supermercados, mas desde 2005 resolveu diminuir sua produção e hoje vende pela internet e por telefone.
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA www.agricultura.gov.br
Selo será impresso nas embalagens ano que vem
Escolhido por meio de consulta pública, o selo do Sistema de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sesorg) será impresso nas embalagens dos produtos orgânicos a partir de 2011. O objetivo é facilitar a identificação dos produtos orgânicos no mercado. Desta forma, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) terá como controlar e fiscalizar os produtores de orgânicos do país, hoje em torno de 90 mil, de acordo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Fabiana Goes de Almeida Nobre, da Superintendência Federal de Agricultura do Rio de Janeiro, explica que o credenciamento das empresas que quiserem emitir o selo será feito em duas etapas: a primeira é a acreditação no Inmetro. Depois disso, elas passarão por uma auditoria do Ministério.
– É um passo importante o carimbo do governo brasileiro para consolidar o mercado de produtos orgânicos no país – diz Sylvia Wachsner, diretora da Sociedade Nacional de Agricultura.
A entidade é uma referência no setor, contribuindo para a fiscalização e organização de eventos. Em seu cadastro, disponível no site ciorganicos.com.br, há informações sobre 29 produtores do país.
O Ministério da Agricultura também reconhecerá, a partir do ano que vem, a autenticidade de produtos orgânicos vendidos diretamente ao consumidor por agricultores, que farão parte de um cadastro nacional que estará disponível para consulta.
Eles precisam se dirigir ao Ministério para preencher um formulário com informações pessoais, localização da área de plantio, quais produtos oferece e processo produtivo.
– Não podemos obrigar que todos queiram aderir ao sistema para ter o selo, mas vamos reconhecer aquele agricultor que garantir a qualidade de seu produto – dia Fabiana. Ela informa ainda que a adesão ao Sistema e credenciamento no Ministério já está em aberto.
Público tem mais chance de escolher
Para acompanhar a tendência, companhias que tradicionalmente têm marcas associadas a produtos industrializados estão invadindo também o mercado verde. A Leão Júnior, empresa que foi recentemente comprada pela Coca-Cola, inaugurou no ano passado a primeira fábrica verde da América Latina e lançou o mate orgânico.
– Toda a matéria-prima é orgânica e a embalagem é menor, o que reduz a quantidade de tinta, e feita 100% de papel reciclado – informa Renato Fukuhara, diretor de Marketing da Leão.
A Pepsico lançou o Toddy Orgânico, produto também já consolidado.
O fato de essas empresas abrirem espaço em seu portfolio para produtos naturais, é vista com bons olhos por quem entende do assunto.
– O caso do Toddy é intreressante pois se agrega mais um valor à marca e dá ao consumidor a possibilidade de escolha – comenta Hélio Mattar.
Fonte: O GLOBO